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a realisasse, dizendo-se enviado por vós, e por vós auctorisado a prometter-lhe a vossa benevolencia e o vosso reconhecimento.

DUQUEZA (indignada)

É uma calumnia! uma infamia! uma aleivosia !

ARCEBISPO (continuando)

Que D. João da Costa lhe promettera salval-o, facultando-lhe a fuga, mas que não cumprira a promessa, o que era prova evidente de que tanto D. João como vós vos havieis servido d'elle como d'um simples instrumento.

DUQUEZA (como acima)

É falso! falso! falsissimo!

ARCEBISPO (continuando com ar solemne)

Depois com um sorriso diabolico, e dando-me esta medalha, disse-me: peço-vos que entregueis á Duqueza esta recordação, e lhe digaes que D. Pedro Bonete tambem sabe vingar-se! (Entrega uma medalha á Duquesa.)

DUQUEZA (pegando na medalha)

O meu retrato!?... a medalha

que o

meu adorado Miguel trazia sempre comsigo!... Como é possivel santo Deus?... (beijando a medalha) Meu querido esposo! esposo da minha alma!

ARCEBISPO

Então?...

DUQUEZA (comsigo)

A medalha que eu lhe dei no dia do nosso casamento, e que elle conservou sempre comsigo até á derradeira hora! (Beija novamente a medalha.)

ARCEBISPO (áparte)

a

Comprehendo agora tudo! Pertencem ao algoz como precalços do officio as joias dos justiçados! (Alto depois de breve pausa.) Perdoae-me, sr. Duqueza, as minhas injustas suspeitas que só a existencia d'esse retrato em poder d'aquelle homem podia justificar...

DUQUEZA

Mas como lhe foi elle parar ás mãos?

ARCEBISPO

É um mysterio, sr.a Duqueza!

Um mysterio?!

DUQUEZA

ARCEBISPO

Hediondo! horrendo! infernal!... Não busqueis, por Deus, rasgar o véo que o cobre!

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Um escudeiro do sr. D. João da Costa, pede para fallar a v. ex.a

DUQUEZA

Que venha. (O creado faz signal ao escudeiro que ficara no alto da escada para que se approxime.)

ESCUDEIRO (desce e approximando-se
da Duquesa)

O sr. D. João da Costa, meu amo, ao partir esta manhã para o Alemtejo encarregou-me d'entregar pessoalmente nas mãos de v. ex. esta carta, dizendo-me que não tinha resposta. (Entrega a carta cumprimenta e sae seguido do creado.)

DUQUEZA (que tem trocado com o Arcebispo um olhar de intelligencia, logo que o escudeiro tem saído, abre a carta, e lè)

«Francisco de Lucena foi condemnado á morte. Vinguei-me e vinguei-vos. D. João da Costa.» (Entrega a carta ao Arcebispo deixando cair os braços; assenta-se abatida.)

ARCEBISPO (depois de olhar
para a carta)

Bonete disse, portanto, a verdade!

DUQUEZA

Mas acreditaes que fui alheia a quanto D. João da Costa disse e tractou com esse infame!?

ARCEBISPO (apertando a mão
á Duqueza)

Acredito. (mudando de assumpto) Guiomar onde está?

DUQUEZA (apontando para dentro
pela direita e distrahidamente)

Além, ao pé do lago com Lopo e Nuno.

ARCEBISPO

Preciso fallar-lhe. É tempo que deixe esta casa e volva ao convento.

DUQUEZA

Pois já quereis privar-me da sua companhia?

ARCEBISPO

Nem tanto me era dado conceder, sobretudo desde que Nuno para aqui veio.

DUQUEZA

Tendes razão. Mas consentí que ao menos se demore ainda alguns dias.

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